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Não vim chamar justos, e sim pecadores, ao arrependimento. Lucas 5:32.
O cristianismo não é um mero ajuntamento de pessoas, mas o congraçamento de uma família. Isto significa uma relação de parentesco. O cristão nasceu na família de Deus. A porta de entrada para esta família é o nascimento espiritual. Para você e eu fazermos parte da igreja de Cristo, precisamos nascer do alto, isto é, nascer com o DNA de Cristo.
Matthew Henry, expositor bíblico do séc 17, dizia: “Sempre que Deus pretende dar vida, ele dá arrependimento.” Vemos, nesta frase, que o arrependimento é um dom de Deus, tanto quanto a vida espiritual. Não se trata de uma reação natural ou conquista do ser humano, mas uma reação sobrenatural de uma pessoa regenerado pelo Espírito Santo.
É isto que vemos nas Escrituras. Por exemplo: falando do Evangelho ao povo judeu, os apóstolos afirmaram a respeito de Jesus: Deus, porém, com a sua destra, o exaltou a Príncipe e Salvador, a fim de conceder a Israel o arrependimento e a remissão de pecados. Atos 5:31. O verbo conceder não deixa dúvida - é um dom.
O arrependimento, antes de ser uma reação do crente, é um presente da graça ao povo de Deus. E, ouvindo estas coisas, apaziguaram-se e glorificaram a Deus, dizendo: Logo, também aos gentios foi por Deus concedido o arrependimento para vida. Atos 11:18. Quem é o povo de Deus? São aqueles que foram levados, pela graça, a crer na suficiência de Cristo, quer judeus ou gentios.
Muitos confundem o arrependimento com o remorso, mas estes termos jamais foram sinônimos. O remorso é uma tristeza íntima causada em razão de algum pecado ou erro que foi descoberto. É a dor de alguém que foi apanhado com a boca na botija, ficando assim, com uma vergonha interior profunda e sentido alguma culpa no cartório.
“A palavra remorso tem origem latina, vem de remorsus, particípio passado do verbo reme, que significa tornar a m. Liga-se, portanto, a dilacerar, atacar, rasgar, ferir, torturar, atormentar. A etimologia desta palavra dá uma ideia de que esse sentimento é doloroso, angustiante e provoca vergonha”.
Judas, o discípulo traidor, sentiu remorso quando tropeçou nas próprias pernas ao vender Jesus. Então, Judas, o que o traiu, vendo que Jesus fora condenado, tocado de remorso, devolveu as trinta moedas de prata aos principais sacerdotes e aos anciãos, dizendo: Pequei, traindo sangue inocente. Eles, porém, responderam: Que nos importa? Isso é contigo. Mateus 27:3-4.
Muitas vezes o remorso leva ao desespero, que conduz a um beco sem saída. Foi isso que aconteceu com Judas; se enforcou. Essa dor vem, quase sempre, de um ego obeso e idealizado, que não suporta o constrangimento causado pela culpa e a vergonha.
A macrodimensão da egolatria empurra o sujeito ao fundo do poço, pela dura decepção de ter pisado na bola. Como eu pude fazer o que fiz? Como cheguei a este ponto de fracassar, como fracassei? Então, a pessoa se remorde produzindo um caudal de tristeza como uma forma sutil de autopunição. O remorso é uma dor autopunitiva.
Arrependimento não é remorso; é mudança de mentalidade. Enquanto remorso fala de uma culpa por aquilo que a pessoa fez, o arrependimento aponta para uma atitude de autoconfiança, que deve ser abandonada. Quem se arrepende vira as suas costas para a sua autoconfiança e olha atentamente para o Autor da confiança no Alto.
Aquele que confia em si mesmo, tendo uma imagem muito idealizada de si, fica decepcionado quando fracassa, sentindo remorso, mas aquele que recebe a condição de se arrepender, vira as costas para si, voltando-se totalmente para a Fonte da fé, Jesus.
Arrependimento e fé são como cara e coroa de uma moeda. Enquanto a fé leva a pessoa a receber a Cristo, o arrependimento a leva a renunciar a si. Quero dizer como A. W. Tozer - “Expirar é tão necessário à vida quanto inspirar. Para receber a Cristo é necessário que rejeitemos tudo o que é contrário a Ele.” Ao inspirarmos o oxigênio que vitaliza as células, precisamos expirar o gás carbono que as intoxica. Receber a Cristo, positivamente, implica em renunciar a si mesmo, negativamente. Não mais eu, mas Cristo.
O apóstolo Paulo, falando à liderança da igreja de Éfeso, foi muito claro ao dizer que tinha um objetivo de anunciar o Evangelho: testificando tanto a judeus como a gregos o arrependimento para com Deus e a fé em nosso Senhor Jesus Cristo. Atos 20:21. Aqui ele coloca as duas dádivas de um modo paralelo e equilibrado.
No momento em que eu viro as costas para mim e volto-me para Jesus, deixando a minha autoconfiança para trás e confiando apenas nEle, eu ganho a dimensão do Reino de Deus, no meu estilo de vida, isto é, arrependimento e fé andando juntos. Jesus iniciou o seu ministério terreno dizendo: O tempo está cumprido, e o reino de Deus está próximo; arrependei-vos e crede no evangelho. Marcos 1:15.
O arrependimento tem a ver com a renúncia da minha autoconfiança e a fé com a confiança apenas no Senhor. Esta é uma nova cultura na mudança da mentalidade. Pois quem conheceu a mente do Senhor, que o possa instruir? Nós, porém, temos a mente de Cristo. 1 Coríntios 2:16. Sem a mente de Cristo não há fé cristã autêntica.
Qual era o problema de Jó? Do ponto de vista legal ele era íntegro, justo, reto, temente a Deus e que desviava-se do mal, mas a Palavra diz que ele arrependeu-se. Então, de que foi que Jó se arrependeu? Qual o motivo por trás do seu arrependimento. Ele mesmo responde: Eu te conhecia só de ouvir, mas agora os meus olhos te vêem. Por isso, me abomino e me arrependo no pó e na cinza. Jó 42:5-6.
O arrependimento espiritual não é tanto do que se faz, mas, principalmente de nossa confiança. Em quem estamos confiando? Em nós mesmos ou em Deus? Em quem Jó estava confiando? Em Deus? Mas, como você pode confiar em quem você não conhece?
Do ponto de vista bíblico o arrependimento é muito mais do que um problema de ordem legal. Não é tanto a transgressão da lei ou a rebeldia jurídica que está em jogo, mas a questão é teológica e se refere ao alvo da crença. Não importa o nível mais elevado de moralidade, se exerço a autoconfiança, preciso urgentemente de arrependimento.
O fundamento do pecado é a teomania e a base desta é a autoconfiança. Há um vírus de onipotência circulando nas veias do ser humano caído, inflamando essa presunção que se alimenta de autossuficiência, autoestima, autoritarismo, autoajuda, autocracia e um sem número de automatismos que nos querem autodeterminar.
É neste terreno minado de automotivação que precisamos de arrependimento. Jó arrependeu-se de si mesmo, de sua justiça própria, do seu autoconhecimento e de tudo o que dizia respeito à centralidade de sua vida como o agente de sua crença.
Saulo de Tarso era um homem irrepreensível quanto a justiça da lei, embora, no que diz respeito à sua confiança estivesse irremediavelmente perdido. Ele não tinha muitos pecados sórdidos a serem perdoados, mas sua crença estava totalmente equivocada. Saulo era o centro de sua religiosidade, totalmente diferente de Paulo em que Cristo era o centro.
Não podemos desconsiderar o que fazemos, contudo, precisamos focar antes de qualquer coisa no que somos e em quem estamos confiando, pois é desta relação que brota a nossa conduta. Jesus disse: Ou fazei a árvore boa e o seu fruto bom ou a árvore má e o seu fruto mau; porque pelo fruto se conhece a árvore. Mateus 12:33.
O arrependimento tem mais a ver com o ser do que com o fazer. Como vemos em Jó e Paulo, não é tanto uma mudança da conduta, porque eles foram irrepreensíveis, mas a mudança do sujeita da confiança. Antes eles confiavam neles mesmos, porém, depois que se arrependeram, passaram a confiar apenas no Senhor.
Na religião de Saulo, ele é quem sustentava sua crença. No Evangelho de Paulo, é Jesus que sustenta a sua confiança. Por isso, entre a religião autoconfiante e o Evangelho da confiança no Alto existe uma mudança radical de mentalidade. É isto que chamamos de arrependimento ou a felicidade de saber que dependemos totalmente da soberania do Pai.
“Nosso orgulho sente desgosto por nossas falhas, e muitas vezes confundimos esse desgosto com o verdadeiro arrependimento”, disse François Fenelon, mas o autêntico arrependimento atinge a raiz da incredulidade, voltando-se inteiramente para a suficiência de Cristo e negando-se a si mesmo sob qualquer pretexto. Quanto a mim, confio só em ti, SENHOR. Eu disse: tu és o meu Deus.Salmos 31:14. Arrependimento é isto.
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